quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A beleza por detrás de uma ruga

 Quando uma ruga nasce conta uma história.
Rostos franzidos pelas emoções sentidas.
O primeiro dia de escola - uma ruga no canto do olho direito, 
O primeiro amor -  uma ruga no canto do olho esquerdo, 
O casamento -  mais uma ruga se junta às outras. 
Quando uma ruga nasce conta uma história.
O nascimento de um filho, uma ruga na testa, cada filho que nasce cada ruga que se junta às já existentes. São linhas e linhas, marcadas na pele, que traçam o diagrama das nossas vidas, uma árvore genealógica das nossas vivências.
Quando uma ruga nasce conta uma história.
No nosso rosto também ficam cravados momentos marcadamente tristes, proporcionadores de uma dor agonizante. Mas caramba! Não fazem esses parte daquilo que somos? Uma decepção, uma doença, a morte de uma pessoa querida. Tudo vivências, boas ou más, madrinhas ou madrastas, que nos marcam e que acrescentam um valor empírico ao nosso ser.
Quando uma ruga nasce conta uma história.
Rugas aparecem a quem sente e quem não sente não é filho de boa gente.
Disfarçar essas marcas com uma técnica de make up pode ser útil como forma de evidênciar a beleza, a auto-estima. Mas querer eliminar as rugas é querer eliminar a nossa história. É querer eliminar o projecto pelo qual construímos a nossa vida.
 As rugas são parte integrante de cada um dos seus portadores, faz parte da nossa identidade. Acabar com elas é acabar com parte de nós, acabar com elas é negar a nossa personalidade.
Tenho saudades das rugas da dona Augusta, apareciam quando sorria, apareciam quando chorava, traziam com elas todo o esplendor daquela mulher modelo.
Gosto das rugas do Ti Manel e dos seu olhos rasgados pelo brilho do sol.
Outras tantas há que gosto, que me fascinam, inclusive as minhas. Não me preocupa as rugas que tenho, preocupa-me as que ainda quero ter. Mais rugas significa mais vivências e há tanto a viver.
Chego à conclusão que as rugas não se combatem, as rugas alimentam-se. Alimentam-se com experiências, alimentam-se com erros, alimentam-se com feitos, com alegrias e tristezas.
 Não alimentar as rugas é não alimentar a vida
Quando uma ruga nasce conta uma história.
Quando deixam de nascer morremos.
 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Alenquer - onde a magia acontece

 Existem aldeias, vilas ou cidades que marcam as nossas vidas.
 Lembramo-nos com nostalgia do lugar onde nascemos, do sítio onde fomos criados. Até das férias  repetidas que fazíamos na terra de origem dos nossos pais.
Há lugares que ficam na nossa retina mais que outros, normalmente porque a eles associamos boas vivências.
Um desses lugares é a Vila onde actualmente passo boa parte da minha vida - Alenquer.
Mais do que um lugar para pernoitar, Alenquer faz tudo parecer diferente. Vindos dos subúrbios de Lisboa, parece que entramos noutra dimensão. Somos transportados para um mundo de faz de conta que torna especiais pequenos gestos como um simples café num dos espaços dedicados da vila.
 Um dos meus preferidos é o salão de chá AnaMila, um espaço onde a magia acontece. Pronto, estou a ser exagerado, até porque não trabalha lá nenhum discípulo do Houdini ou do Luís de Matos, nem se assiste a malabarismos como se de uma arte circense se tratasse.
 Os pormenores é que fazem a diferença.
  O cheiro a madeira crua que personaliza o ambiente, misturado com o aroma que o café emana, tornam aquele espaço acolhedor e apetecível, ali encontras uma diversidade de livros dispostos em caixas de madeira, que podes ler sentado numa das mesas de pinho não tratado. Na parede cinza e aveludada há umas pequenas formas, que por serem torneadas por uma moldura branca, faz do conjunto uma obra de  arte que decora o espaço. Somos recebidos com uma simpatia equilibrada, sem excessos ou qualquer tipo de bajulação, pela proprietária, uma simpática mulher que se esconde estratégicamente atrás de um balcão de madeira forrado com um lambril branco e que conjuga, numa simbiose quase perfeita, com uma montra frigorífica onde se expõem as iguarias que tentam os clientes mais calóricos. Com o frio que se sente lá fora, este é um espaço de eleição para partilhar um livro, uma conversa a dois ou simplesmente para apreciar a música ambiente ao sabor de um chá, de um doce ou apenas de um café.
 
Mas Alenquer não é só AnaMila.
 Nas noites quentes de verão existem esplanadas onde se pode partilhar um gelado ao som da água corrente do rio que atravessa a Vila.
Alenquer é também o largo da Câmara municipal que abraça tudo o resto com uma vista deslumbrante, alenquer é cultura, Alenquer é gastronomia, é vinha e bom vinho, é a arte de bem receber.
Porque viver é a melhor vida que há, não deixes de vir. Vive esta experiência!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Uma aventura num domingo qualquer

O sol invade o quarto pelos frisos dos postigos de madeira que cobrem as janelas. Abro os olhos e deparo-me com aquele tom alaranjado nas paredes. 
Já era tarde, pelo menos mais tarde do que é habitual. São nove e meia da manhã, não costumo estar na cama até estas horas. Mas por vezes sabe tão bem! Não me levanto logo, é domingo caramba! A Didi ainda está a dormir, hoje tem com ela uma colega, passaram o fim de semana juntas. O tempo convida a sair de casa. Desafio as miúdas e lá vamos nós, mas com calma. Se já é preciso paciência para esperar por uma adolescente imaginem duas.
Finalmente saímos à rua, o relógio aponta as 11:30. Até à primeira paragem é um saltinho - Rio Maior e a sua Pastelaria Bellarius - desculpem a redundância mas os mil folhas são qualquer coisa de extraordinário.
Baterias recarregadas e fomos até às Salinas de Rio Maior, um fenómeno natural que permite que água, sete vezes mais salobra que o mar, venha à superfície.
 
Como não podia deixar de ser, o souvenir foi sal. Compramos um pacote de sal seco e outro com especiarias, que nos garantiram não querer outra coisa quando o experimentássemos no queijo fresco.
 O cheiro a assado debitado pelas chaminés dos restaurantes convidava ao almoço, mas com muita pena nossa tínhamos acabado de comer.   Foi com água na boca que arrancámos em direcção a Porto de Mós, e ao seu castelo que vigia a cidade bem lá do alto. Parámos para umas fotos e rapidamente seguimos viagem em direcção a Pia de Urso, uma aldeia de pedra que foi cuidadosamente recuperada e que trás um outro encanto ao Parque Natural das Serrasde Aires e Candeeiros. 
 
 Ali tive a minha primeira experiência de geocaching, uma autêntica caça ao tesouro de objectos que são meticulosamente guardados em locais estratégicos.
Descobri esta actividade por meio da colega da Didi, que já faz isto com o pai faz algum tempo. Consiste em seguir as coordenadas de geo pontos que encontramos em algumas aplicações de gps próprias desta actividade.
 
 Esta aventura teve outro sabor quando o senhor Daniel. O responsável do gabinete de informações do centro de btt da Pia do Urso decidiu acompanhar-nos e fazer um roteiro por alguns geo pontos e pelo percurso sensorial da aldeia. Uma pessoa magnífica o senhor Daniel. Tornou aquela manhã mágica ao levar-nos a um destes tesouros escondido no interior de uma gruta que se encontra camuflada pela vegetação circundante.
Senti-me um autêntico Indiana Jones em busca de caixas de plástico com blocos de notas no interior.
Acabada a aventura sentia uma sensação de fartura emocional. Mas esta não enche barriga e estava na hora de procurar um lugar onde comer.
 Também nisto a Pia do Urso merece a visita.Com os ponteiros do relógio a tocar as quatro da tarde um restaurante não seria a melhor opção. Encontramos bem instalado no meio da aldeia a Petiscaria Palheiro do Requêto. Num ambiente agradável e descontraído, aquecido por uma lareira que casava bem com a sala, comemos um prego com uma carne tão macia que se cortava sem esforço. Bom comer, bom beber, boa gente. Quando assim é a arte da degustação ganha outra vida.
 
Bom passeio, bom roteiro, bom domingo.
Porque viver é a melhor vida que há,  não deixem de se aventurar portas fora. Sejam aventureiros, sejam exploradores, sejam felizes.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Lembras-te?

 
 Lembras-te? 
 Daquele lugar onde brincaste em criança? Daquele baloiço, que apesar de já não existir, ainda está, na tua memória, bem presente, já com a ferrugem a descolar a tinta do ferro, onde voaste de um lado para o outro, vezes sem conta.
 Lembras-te? 
De ir a casa roubar uma faca da cozinha ou uma chave de fendas da ferramenta do teu pai, para criares a melhor arma de jogar ao espeta, num círculo geometricamente desenhado na terra? 
Lembras-te de chegar a casa com as mãos sujas de pó por andares a abrir covas às quais apontavas os berlindes depois?
Lembras-te?
Quando, numa correria desenfreada, a brincar às escondidas, caíste e esfolaste os joelhos?
Lembras-te da fotografia de grupo que tiraste na primeira classe e na segunda e terceira e quarta? Lembras-te?
De brincar com os miúdos lá da rua noite adentro, só ias para casa porque alguém te chamava.
Lembras-te?
Da miúda mais gira lá da rua, por quem todos os rapazes se enamoraram, dos quais tu não és exceção. De como brincava às casinhas, de como fingia cozinhar, até fazia colorau com pedaços de tijolo raspados um no outro e como isso te fascinava!
Lembras-te?
Das brincadeiras com o teu irmão mais novo, e como juntos faziam a vida negra à irmã mais velha. De como brincávamos com os carrinhos da Majora na carpete da sala enquanto o Ti Manel, patriarca da família, repousava na poltrona, de olhos fechados, fingindo que estava a ver televisão.
Lembras-te?
Eu lembro-me. Bons tempo esses. Aqueles em que a Avó Tina, vinha à nossa procura a palmilhar terreno, as malditas cataratas já não a deixavam ver como antigamente, e quando nos encontrava, não via mais do que um vulto, que a obrigava a dizer o nome de todos os netos até acertar. Às vezes parecia que sabia quem era, era tiro certeiro, pura coincidência.
Lembro-me daquelas férias em Loulé, numa quinta, pertence dos patrões da minha irmã Paula, tão bom que foi andar a cavalo, aprender a conduzir uma Casal Boss e dar uns mergulhos na piscina às 3 da manhã com os filhos dos donos.
 Algumas dessas memórias estão guardadas em papel fotográfico, 10x15, nos álbuns lá de casa. Outras, porque a preguiça de tirar fotos era mais que muita, guardo na retina.
 Hoje é bem mais fácil guardar recordações, ter uma máquina fotográfica acoplada ao telemóvel facilita muito.
Mas, em nome das boas memórias, continuo a não fotografar tudo. Gosto de guardar muitas coisas que uma fotografia não guarda.
Não guarda, mas ajuda a lembrar, em nome das boas memórias. Lembras-te?