Não. Não estou a falar de nenhum êxito de bilheteira realizado por um dos grandes cineastas do momento e com um elenco de luxo.
Estou mesmo a falar da aventura de três amigos, o Paulo, o Miguel e o Ricardo, que, mal preparados mas com uma enorme força de vontade, decidiram fazer um passeio que nem as memórias mais esquecediças apagarão.
Pronto! Pronto! Já sei que estou a exagerar. Mas, vá lá, deixem-se levar!
Saímos de Tróia às 8 horas da manhã, com um atraso de meia hora em relação à hora prevista. Este atraso iria ter um reflexo no fim. A nossa expressão refletia bem o quanto ansiávamos este dia.
Mas essa expectativa depressa daria lugar à preocupação do tempo a passar. 10 quilómetros volvidos e veio o primeiro contratempo, um furo. Ok, faz parte, mas tão cedo? Não antevia nada de bom.
Problema resolvido, siga viagem que se faz tarde. A primeira paragem planeada estava prevista ser em Brescos, junto ao Café Arsénio, mas falhou a logística. Desencontramo-nos do carro de apoio, conduzido por outro Ricardo, o Sousa, e por isso tivemos de fazer mais uns quilómetros até Vila Nova de Santo André. Ali recarregámos baterias, acertamos o ar do pneu furado e voltamos à estrada. A paragem foi maior que o previsto mas estávamos a andar a bom ritmo.
A partir daqui o vento foi uma constante, às vezes de frente, às vezes lateral, fazia-nos pensar como iríamos aguentar o resto da viagem que ainda não ia a meio. Decidimos não nos preocuparmos tanto com as paragens e os seus tempos.
A bexiga aperta e o corpo anseia um café. Daí, nova paragem, esta mais curtinha, no Kallux bar, na praia de São Torpes. Mas valeu bem a pena! Aquela paisagem revigora até o mais cansado dos seres humanos.
Seguimos em direcção a Vila Nova de Milfontes já com o Miguel em dificuldades inerentes à constipação que o atormentava.
Outro furo, outro contratempo. Mas, faz parte.
Chegados a Vila Nova, pensamos em comer um croissant de chocolate na Mabi, mas como não queríamos perder muito tempo ficámo-nos pela sandes de panado e sopa, no carro, seguido de um cafézinho na melhor pastelaria de Vila Nova de Milfontes, a Pão, Café & Companhia. Um conceito de pastelaria, padaria e mercearia, muito giro por sinal.
Já com meio caminho percorrido, seguimos em direcção à próxima paragem - Odeceixe. Mas com o vento a apertar e algumas subidas à mistura, o Miguel não resistiu e assim veio a primeira e única desistência.
Apesar de tudo, o Miguel foi enorme. Pedalar 130 quilómetros com dificuldades respiratórias! Muito aguentou ele. Haverão outras oportunidades amigo.
Esta viagem, agora a dois, entrou no seu período mais épico com as subidas de São Teotónio e Odeceixe. A entrada no Algarve foi assinalada com toda a pompa e circunstância.
No Rogil vieram as primeiras cãibras e faltavam 55 quilómetros.
Já sem certezas de como isto ia acabar, tivemos de parar em Aljezur para um reforço da cafeína e para recuperar os músculos das pernas, que teimavam em ceder. Faltavam 48 quilómetros.
Chegámos à Carrapateira já de noite e tivemos de subir a serra que nos separava de Vila do Bispo nessa condição. De salientar o enorme Fair Play do Miguel, que apesar de ter desistido, não nos abandonou e pediu ao nosso Motorista, o Ricardo Sousa, que fosse atrás de nós a iluminar o caminho.
O vento era tanto que em Vila do Bispo tinha deitado um poste no chão, obrigando-nos a baixar a cabeça para passar pelos fios caídos sobre a estrada.
Num último esforço, e por sabermos o objetivo ali tão perto, demos tudo o que tínhamos até Sagres, fazendo autêntico equilibrismo para não sermos deitados ao chão por um vento zangado que nos veio receber.
Mas já nada nos parava!
Foi já num escuro profundo que chegámos a Sagres.
Mas chegámos! CHEGÁMOS!
Alguns pormenores a reter estão relacionados com a condição física dos envolvidos.
O Miguel estava com uma grande constipação que o impediu de acabar.
O Paulo, o maior dos guerreiros, só usava uma mão no volante. Sofreu um acidente há uns meses com uma máquina de corte que lhe inutilizou uma das mãos. Só a pousava no volante para manter o equilíbrio. Força e travagem, só com a mão boa. Além disso levou uma bicicleta de ferro, com tantos anos quantos ele tem de idade e a pesar uns bons quilinhos a mais do que se usa agora.
Eu tenho episódios constantes de sístoles prematuras ventriculares, que pensava ter passado mas de vez em quando ainda me atormenta e deixa-me o coração aos saltos. Foi o caso de ontem durante a viagem. Ainda está a ser analisado o que é isto.
Parece loucura termos levado a cabo esta viagem, mas a vida às vezes é feita de decisões que nem todos percebem. Mas lembra-te que a razão nem sempre tem razão. (lê A Axiomática da Razão)
A verdade é que esta vivência já ninguém nos tira.
Não deixes que as limitações te tirem o desejo de viver. Podes não poder fazer tudo. Mas és capaz de coisas que nem imaginas.
Sai do sofá, sai de casa, dá o que tens, dá-lhe com força, vai em frente.
Sê tu próprio, sê tu própria, arrisca, não tenhas medo.
Boas vivências!!
Um agradecimento especial ao Ricardo Sousa por nos ter acompanhado durante toda a viagem e nos ter trazido para cima.
Épica viagem. Ultrapassado o cabo das tormentas novos mundos se abrem a novas descobertas.
ResponderEliminarForça nas canetas (sim... tem mesmo o duplo sentido).
A parte final foi muito sofrível Carlos. Mas dá-nos uma perspectiva diferente do que é esforçarmo-nos por um objectivo. Com esforço, conseguimos coisas que nem imaginamos. Obrigado pelo apoio
Eliminar....corajosos, com tantos contras, rumaram, contra a maré e conseguiram.....q fixe, uma história para contar, e recontar vezes sem fim, vale a pena sair da zona de conforto, certo e viver essas tais vivências, da razão, obrigado por partilharem connosco essas vivências, bem haja...
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